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PERCEPÇÕES
E REAÇÕES DE PROFESSORES DIANTE DAS POLÍTICAS EDUCACIONAIS: UM ESTUDO COM
PROFESSORES DE EDUCAÇÃO FÍSICA
PERCEPTIONS
AND REACTIONS OF TEACHERS IN FRONT OF EDUCATIONAL POLICIES: A STUDY WITH
PHSYCIAL EDUCATION TEACHERS
Este estudo busca compreender como os professores de Educação Física atuantes=
na
Rede Estadual de Ensino do Rio Grande do Sul percebem e reagem às políticas
educacionais que lhes são demandadas pelos gestores estaduais nas ultimas t=
rês
gestões do governo estadual do Rio Grande do Sul. Neste sentido foi realizada uma
pesquisa qualitativa na perspectiva da etnografia. Como obtenção de informa=
ções
foram realizadas: observações participantes do cotidiano dos professores de
Educação Física, registrada nos diários de campo; entrevistas semiestrutura=
das
com cinco professores de Educação Física e análise de documentos. Através da
análise foi possível construir unidades de significado que agrupadas result=
aram
em três categorias analíticas: a indiferença, a resistência e as marcas. Co=
mpreendemos
que o professorado de Educação Física participante deste estudo atua em dado
momento da sua prática pedagógica com indiferença e resistências às polític=
as
educacionais formuladas pelos gestores. É possível pensarmos que a resistên=
cia
dos professores é potencializada quando eles são convidados a preterir
elementos da sua história de vida que estão imbricados na sua prática pedag=
ógica.
Palavras-chave: Ensino Médio. Trabalho docente. =
Políticas Educacionais. Prática
ABSTRACT
This
study aims to understand how Physical Education teachers from Rio Grande do=
Sul
public state schools follow and react to educational policies demanded by t=
he
local and state authorities from the last three state government management=
of
Rio Grande do Sul. In this context, a research focused on ethnography was
conducted. To obtain information, there were performed observations in the =
daily
routine of Physical Education teachers, recorded in the field journal;
semi-structured interviews with five Physical Education teachers and data
analyses. Because of the analyses, it was possible to build meaning units,
which organized, result in three analytical categories: the indifference, t=
he resistance,
and the marks. The results suggest that the Physical Education teachers, who
participated the study, act in their teaching practice indifferently and
resistant to educational policies formulated by the state managers. It sugg=
ests
that the resistance of the teachers is reinforced when they are led to igno=
re
elements from their own life experience which are interwoven with their
teaching practices.
Keywords: High School.
Teaching. Educational policies. Teaching practices=
span>.
INTRODUÇÃO
Pensamos, à luz de Ball, Maguire e Baun
(2016), que as políticas educacionais são formuladas para resolver um probl=
ema,
um problema público, um problema educacional. Problema esse que é nomeado,
compreendido e eleito por um grupo de pessoas que sustenta uma determinada
visão de mundo. Neste caso, os gestores formulam um problema para justifica=
r a
política educacional que irá representar as intenções deste determinado gru=
po.
Tais políticas podem ser representadas de diversas
formas, sendo uma delas o discurso e outra o texto. Os textos políticos não=
são
necessariamente internamente coerentes e claros, eles podem também ser
contraditórios. Portanto, estes textos são passíveis de interpretações.
Barthes (2019) nos auxilia a pensar que estas
políticas podem ser expressas por dois estilos de texto, o estilo Readerly =
e o
estilo Writerl=
y, que remetem à forma de participa=
ção e
envolvimento dos profissionais da educação para com a política pública a ser
desenvolvida. No estilo Readerly
o professor é compreendido como um consumidor inerte, estando na posição de=
um
mero executor; já no que diz respeito ao estilo Writerly, o professor é convidado a colaborar com o texto, desta forma
sendo compreendido como um consumidor ativo, pois neste texto o leitor terá
também um papel de coautor. Neste último, o professor passa a ser convidado=
a
fazer parte da política. Desta forma, esses diferentes estilos de texto
explicitam e representam o tipo de política que os gestores pretendem execu=
tar.
Ao observamos uma política a partir das lentes de =
Ball
e Bowe (1992); Bowe=
, Ball e
Gold (1992) e Ball (1994), podemos tecer um entendimento de que as políticas
educacionais possuem uma característica complexa e controversa. Assumimos q=
ue a
política passa por um ciclo. Neste tocante compreendemos que os professores=
têm
sido implicados majoritariamente somente na execução da política, em uma fa=
se
onde ela passa a ser utilizada, ou seja, na fase da política em uso, confor=
me Mainardes (2006) aponta: “A ‘política em uso’ referia=
-se
aos discursos e às práticas institucionais que emergem do processo de
implementação das políticas pelos profissionais que atuam no nível da práti=
ca”
(p. 49). Mesmo que o desejo do professor seja de estar presente na fase da
política proposta, isto não tem – via de regra – ocorrido, mesmo havendo es=
paço
para tal como o mesmo autor salienta.
A
primeira faceta, a “política proposta”, referia-se à política oficial,
relacionada com as intenções não somente do governo e de seus assessores,
departamentos educacionais e burocratas encarregados de “implementar”
políticas, mas também intenções das escolas, autoridades locais e outras ar=
enas
onde as políticas emergem (MAINARDES, 2006, p. 49).
Isto posto, entendemos que as reações a estes textos têm
consequências e essas são vivenciadas dentro do contexto da prática (MAINAR=
DES,
2006). Neste sentido, cabe um olhar para este contexto, pois é lá que práti=
ca
pedagógica, sobretudo, se materializa através de uma ação pensada, repensad=
a e
arquitetada pelos professores.
Ao tratarmos de prática pedagógica, partilhamos do pensam=
ento
de Sacristán (1999) que a entende como a ação do
professor no espaço da aula. O autor argumenta que o professor assume a fun=
ção
de guia reflexivo, ou seja, é aquele que instrui as ações em uma aula e
interfere significativamente no desenvolvimento do conhecimento do estudant=
e.
Assim, a prática pedagógica, no nosso entender, engloba desde a interação d=
os
professores com os seus estudantes, passando pela sua atuação com outros
professores da sua área ou de outras áreas do conhecimento. Entendemos que o
posicionamento dos professores diante das políticas, normas e regulamentos
educacionais tem impacto e relação com a prática pedagógica.
A par destes fenômenos, entendemos que as políticas
educacionais desenvolvidas e implementadas nas escolas da Rede Estadual de
Ensino do Rio Grande do Sul podem ser compreendidas a partir de seus textos=
e
também na sua relação com o cotidiano das escolas e com a prática pedagógica
dos professores. Nesse sentido, neste estudo nos propomos a compreender como cinco professores de Educ=
ação
Física atuantes na Rede Estadual de Ensino do Rio Grande do Sul percebem e
reagem às políticas educacionais que lhes são demandadas pelos gestores
estaduais nas ultimas três gestões do governo no estado do Rio Grande do Sul
(2007 a 2010; 2011 a 2014 e 2015 a 2018). Para responder a este objetivo, f=
ez-se
necessário pesquisar, reconhecer e compreender a temática no contexto educa=
cional.
A
metodologia que guiou este estudo, com professores de Educação Física atuan=
tes
no Ensino Médio da Rede Estadual de Ensino do Rio Grande do Sul, enfrentou a
curiosidade epistemológica de compr=
eender
os fatores presentes na prática pedagógica que colaboraram para que eles
percebessem e reagissem às políticas educacionais que lhes são demandadas. =
Este estudo foi realizado levando=
em
conta as premissas de uma pesquisa qualitativa, por entendermos que o ambie=
nte
natural é a fonte direta dos dados produzidos (WOODS, 1995). Ressaltamos qu=
e a
pesquisa qualitativa não somente partilha experiências, mas necessita da
profundidade do pesquisador para entender os contextos dos colaboradores.
Na pesquisa qualitativa, o fundamental, na maioria das vezes, n=
ão é
a quantidade de participantes a serem observados para a validação do estudo,
mas a observação em profundidade, por aportar elementos significativos de
determinadas situações [...] (NEGRINE, 2017, p. 68).
Esta
pesquisa foi realizada sob a perspectiva etnográfica, por entendermos a
relevância de estar imerso nos cenários onde os colaboradores deste estudo
circulam e de compreender os aspectos culturais envoltos no seu fazer
pedagógico. Segundo Molina Neto (2017), a etnografia na pesquisa em educação
pode colaborar no sentido de o professor produzir conhecimento sobre a sua
prática:
[...] esse tipo de metodologia pode se constituir em um instrum=
ento
interessante para que os professores possam, além de produzir conhecimento a
partir da prática cotidiana, refletir sobre sua intervenção nos centros
escolares, como também sistematizá-la e torná-la pública. [...] (MOLINA NET=
O,
2017, p. 107).
=
Colaborando
com as lentes apresentadas por Molina Neto (2017), pode-se pensar que a
etnografia auxilia para que o professor realize uma reflexão sobre a sua
prática. Como podemos compreender através do relato da professora Mariazinh=
a
Esta é a primeira vez que eu faço esta reflexão, esta é a prime=
ira
vez que faço esta reflexão contigo, nunca tinha feito esta reflexão, se as
políticas públicas influenciaram na minha maneira de dar aula (Entrevista c=
om a
professora
Mariazinha em 10/05/2018 na sala de Educação Física da E.E.E.M. Verona).
=
Utilizamos
como instrumentos para a coleta de dados: a) a observação participante das
aulas e do cotidiano dos professores colaboradores deste estudo no período =
de
dezembro de 2017 a junho de 2018, com a pretensão de entender os cenários
pesquisados e como os atores destes contextos agem, se expressam e interagem
com outros atores; b) o diário de campo com o intuito de registrar as
informações necessárias para compreender os fenômenos que o campo nos
apresentava, de modo que as observações eram descritas no diário; c) a anál=
ise
de documentos, como os diários de classe, as diretrizes e políticas
educacionais da Rede Estadual de Ensino, por compreendermos que, para
entendermos os textos políticos e as leis, essa é a estratégia mais plausív=
el; e
d) a entrevista semiestruturada com cinco professores do componente curricu=
lar
Educação Física.
As
entrevistas foram realizadas com a composição de perguntas abertas com o
objetivo de alcançar informações profundas sobre a conjuntura estudada
(NEGRINE, 2017). Este estudo desenvolveu-se em duas escolas com cinco
colaboradores, que receberam nomes fictícios com a finalidade de preservar =
as
suas identidades. Assim, os cenários foram a E.E.E.M. Verona (na cidade de
Porto Alegre/RS), com os professores Mariazinha e Roberta e E.E.E.M. Coliseu
(na cidade de Canoas/RS), com os professores Carol, Suely e Lince.
Quant=
o ao
processo de tratamento das informações produzidas no trabalho de campo, após
repetidas leituras do material produzido, identificamos unidades de signifi=
cado
que agrupadas formaram categorias de análise.
É prudente analisar, descrever, interpretar e discutir as
informações a partir das categorias de análise, que podem ser construídas a
partir das unidades de significado, mas devem estar ajustadas às questões de
pesquisa [...] (NEGRINE, 2017, p. 80).
= Através do processo de interpretação, as unidades de significado produzidas foram agrupadas por proximidade de temáticas, que resultaram na construção de categorias de análise que orientam as nossas interpretações: a) Indiferença= ; b) Resistência; c) Marcas. Tais temáticas serão discutidas e abordadas ao long= o das seções: Indif= erença: o que não me toca e não me implica; A resistência: a ausência na formulação; e As marc= as: a arquitetura da prática pedagógica.
O MOMENTO E O SISTEMA: MAPEANDO O
CENÁRIO ATUAL
A prática pedagógica dos professores da Rede Estad=
ual
de Ensino do Rio Grande do Sul, na atual conjuntura, vem sendo atravessada =
por
diversos fatores como a precarização, o fracionamento e atraso dos salários,
além da falta de recursos materiais. Durante o trabalho de campo, os
professores de Educação Física, colaboradores deste estudo, expressaram
compreender este momento como um estado de calamidade, no qual eles passam =
por
dificuldades na sua vida e na escola que é o ambiente para a materialização=
da
sua prática pedagógica. Para ilustrar como este cenário se encontra, trazem=
os
um diálogo entre os professores em um intervalo na sala dos professores.
Este relato é um exemplo do mo= mento pelo qual os professores vivem, entendemos esta narrativa como um desabafo, pois compreendemos que pode existir um possível apagamento no entusiasmo dos professores com a situação a qual eles vivenciam: “o ato de sacudir um pinc= el de quadro branco com um desânimo e a cabeça baixa, traduz possivelmente o sentimento de tristeza e esgotamento profissional” (Nota de campo nº 156 em= 12/03/2018). O diálogo a seguir, nos auxilia a compreender como os professores de Educaç= ão Física da Rede Estadual do Rio Grande do Sul participantes deste estudo reconhecem a atualidade do sistema educacional, em conjunto a esta precariz= ação material. Nos chama a atenção o modo como os proventos dos professores vem sendo pagos; tal situação nos possibilita pensar que está em curso um proce= sso de desconstrução do bem público. <= o:p>
[...] me dói ver
professores, colegas que se esforçaram, colegas que fizeram uma pós-graduaç=
ão,
fizeram um mestrado, entrar com uma roupa que eu o vejo há cinco anos com a
mesma roupa. E ele está com a mesma roupa por que ele não consegue realmente
comprar outra. Porque ele não ganha para comprar outra e quando não passa p=
or
outra dificuldade que acelera mais ainda a necessidade humana dele. Tenho
amigos aqui assim, questões pessoais. Aí tu vês o colega não tendo nem o que
comer com dificuldades. Conheço o colega desde 2010, não sou muito observad=
or,
mas isto eu observei, a camisa que ele usa surradinha desde 2010 ele usa ho=
je.
Ele é professor (Entrevista com o professor Lince em 10/04/2018=
na
sala dos professores da E.E.E.M. Coliseu).
O relato do professor Lince nos possibilita compreender o sentimento=
dos
professores, seu descontentamento e o estado de desânimo que assola este
coletivo. Neste sentido, Molina Neto (2003) identificou que os professores
possuem crenças e que “a crença da pouca valorização docente=
faz
com que o professorado de educação física deposite pouca confiança nos
governantes e nas administrações do sistema educativo (p. 156)”. Esta pouca
confiança pode ser transformada em indiferença e em resistência com relação=
ao
que os gestores propõem, pois além de todas as atribuições que os professor=
es
possuem na escola, eles ainda devem atender às demandas formuladas pelos
gestores, como as políticas educacionais.
Assim, durante os últimos dez anos, foram demandadas aos professores=
, participantes
deste estudo, três propostas de políticas educacionais que os convidaram a
modificar a sua prática pedagógica: Lições do Rio Grande (2009 a 2010), o
Ensino Médio Politécnico (2011 a 2014) e a Reestruturação Estadual Curricul=
ar
(2016 até a atualidade).
A política Lições do Rio Grande trazia no seu texto a necessidade de=
que
a Rede Estadual de Ensino contasse com um currículo único. Este currículo f=
oi
descrito através do Referencial Curricular no ano de 2009, de modo que a
política expressava a necessidade de que houvesse um currículo que alinhass=
e e
unisse os conteúdos a serem ministrados em todo o estado do Rio Grande do S=
ul,
através de mapas conceituais.
Com a troca de gestores no governo estadual, houve a formulação de u=
ma
nova política. Entrou em cena o Ensino Médio Politécnico que tinha como pil=
ares
importantes a inserção do estudante no mundo científico, uma necessidade de
preparação para a vida adulta, de modo que as premissas desta política esta=
vam
alicerçadas sob a Politecnia, em um contexto on=
de a
escola deveria considerar o trabalho como princípio educativo e a premissa =
do
aluno como protagonista das ações na sala de aula.
Com o fim da gestão, em 2014, que instituiu o Ensino Médio Politécni= co, o novo gestor do estado do Rio Grande do Sul retirou o Ensino Médio politéc= nico e não formulou nenhuma proposta para a educação gaúcha. Neste período não h= ouve sequer uma diretriz, somente houve a retirada da proposta que estava vigent= e. Portanto as escolas estaduais permaneceram dois anos sem proposta alguma. S= omente no final do ano de 2016, formulou-se a Reestruturação Estadual Curricular.<= o:p>
A política Reestruturação Estadual Curricular na sua redação aborda =
uma
necessidade de que o ensino esteja conectado à globalização. Logo, o ensino
deveria estar aliado às novas tendências digitais. Neste sentido, as novas
tecnologias deveriam ser o foco da aprendizagem dos estudantes.
É constante no relato dos professores os traços impositivos das
políticas educacionais. Esta característica, por vezes, além de precarizar a
ação dos professores, faz com que o significado dela aos poucos se transfor=
me
em mero rascunho. Desta forma, para os participantes deste estudo, as
formulações realizadas pelos gestores são entendidas como imposições, por conta da
posição privilegiada que eles ocupam em relação aos professores. Nesta
perspectiva, o relato do professor Lince nos faz refletir sobre o modo como
eles observam e reagem às formulações que lhe são endereçadas:
[...] sempre vem por
imposição, sempre vem de cima. [...] Lince, tu queres fazer? Olha se tu não
quiseres fazer tu terás que sair fora. Tu tens uma carga horária, a tua carga horár=
ia
está sobrando. Então eu vou te colocar ali para suprir a carga horária e tu
tens que fazer isto. Logo a gente termina fazendo o que foi solicitado
(Entrevista com o professor Lince em 10/04/2018 na sala
dos professores da E.E.E.M. Coliseu).
Os professores, colaboradores deste estudo, externam a compreensão de
que as formulações são “entregues” na escola no intuito de causar um impact=
o no
seu trabalho, no seu fazer pedagógico, ou seja, com a intenção de pretensam=
ente
alterar a sua prática pedagógica. Desta forma, entendemos que as formulações
realizadas pelos gestores, convidaram os professores a modificar a sua prát=
ica
pedagógica, no entanto, eles compreendem que as políticas não lhes provocar=
am
mudanças.
Não teve nenhuma
mudança. Não, não teve. Não teve nenhuma mudança na minha aula por conta da
política. A minha aula, é claro, vai se modificando, vai mudando pela
experiência que a gente vai adquirindo, pela experiência docente. Eu dava u=
ma
aula no começo, hoje a prática, as vezes né, faz com que a gente reveja
conceitos, e a minha aula hoje é diferente das aulas que eu dava onze, doze
anos atrás (Entrevista com o professor Lince=
span> em 10/04/2018 =
na
sala dos professores da E.E.E.M. Coliseu).
Essas políticas só vêm para te atrapalhar,
deixa eu dar a minha aula, deixa eu fazer. Agora, depois de anos querem me
ensinar a dar aula. Eles vêm, jogam um monte de textos para a gente ler e no
fim o que fazem, troca o governo sai tudo. Toda hora a gente tem que estar
trocando. Olha, vou te contar uma coisa, não vem nada de proveitoso com est=
es
políticos (Entrevista com a professora Roberta em 13/04/2018 na sala dos professores da E.E.E.M. Verona).
Não, acho que não. Não foi por causa disto =
que
eu mudei. Eu mudei, continuo mudando e acho que a gente deve mudar, estou me
atualizando e me capacitando. Foi mais por troca com os outros colegas, por
cursos que eu fiz, cursos de capacitação, por outras questões, por reuniões=
com
os colegas, por outras questões, do que propriamente por conta destas polít=
icas
educacionais (Entrevista com a professora Mariazinha
em 03/04/2018 na sala de Educação Física da E.E.E.M. Verona).
Não. Cara vou te dizer, como te falei, não =
foi
algo construído por mim, não foi algo que eu formulei, não foi algo que eu
criei ou criei com os meus colegas ou o grupo nosso da escola. É algo que v=
eio.
E eu não participei daquilo. Não tive envolvimento com aquilo (Entrevista c=
om o
professor Suely em 10/04/2018 na sala da direção da
E.E.E.M. Coliseu).
Na minha aula não muda nada. Eu tenho um pa=
drão
de aula. Na questão avaliativa, como eu te disse, eu faço uma avaliação
subjetiva. Na minha aula não interfere em nada. Eu sempre trabalho também n=
esta
questão de formar o cidadão. Então, além da parte técnica, eu procuro formar
uma criança que se transformará em um cidadão (Entrevista com o professor C=
arol em 09/04/2018 no pátio da E.E.E.M. Coliseu)=
.
Frente a tal cenário, as políticas demandavam aos professores modifi=
car
o seu modo de trabalhar. De um lado as políticas traziam as intenções dos
gestores em modificar o cenário educacional. A política Lições do Rio Grande
(2009) demandava a inserção de conteúdos na prática pedagógica que eram
distintos da formação inicial do professorado, como a capoeira. A política
Ensino Médio Politécnico (2011) instigava o professorado a realizar um trab=
alho
em conjunto com outros componentes curriculares, de modo que o professorado=
era
implicado em realizar um planejamento relacionando os seus conteúdos aos do=
s demais
componentes. Já a política Reestruturação Estadual Curricular (2016) convid=
ou
os professores a pautar o seu planejamento a partir das habilidades que iri=
am
desenvolver nos estudantes para que depois elencassem os conteúdos a serem
ministrados. De outro lado, pudemos aprender com o trabalho de campo que os
professores constroem o seu trabalho a partir das suas marcas, do que lhe f=
oi
significativo ao longo da sua vida e da sua formação profissional, gerando,
muitas vezes, divergências entre a sua concepção de educação e a dos gestor=
es.
É possível interpretar que estas novas demandas contribuíram para uma
intensificação do trabalho deste coletivo. Esta intensificação, proporciona=
da
pelas políticas educacionais, somou-se ao parcelamento e fracionamento de
salários, à precarização e desvalorização da profissão docente. É nesse acú=
mulo
de elementos, que fomos captando ao longo do trabalho de campo, que entende=
mos
que a reação preponderante do professorado foi de se posicionar de modo ind=
iferente
às políticas educacionais, como passamos a explorar nas seções seguintes.
INDIFERENÇA: O QUE NÃO ME TOCA E NÃO ME IMPLICA=
Os professores de Educação Física da Rede Estadual de Ensino do Rio
Grande do Sul, participantes deste estudo, demonstram estarem experimentand=
o um
sentimento de esgotamento e de desconstrução das suas inspirações com relaç=
ão
ao seu fazer pedagógico, frente às dificuldades encontradas no sistema
educacional. Diante desse contexto, manifestam, também, em alguns momentos,=
uma
indiferença com relação às formulações confeccionadas pelos gestores para s=
erem
implementadas nas escolas.
É possível entendermos que a indiferença que os professores demonstr=
am manifestar
sobre as políticas educacionais pode ser a tradução da sua indignação ao
momento pelo qual perpassam. O contexto que este coletivo vivencia, aliado =
às
proposições dos gestores, somam-se às demais tensões existentes no cenário
educacional e nisto a política passa a ser mais uma das tantas coisas que s=
ão
demandadas aos professores na escola. Neste sentido, eles acabam atribuindo=
uma
maior importância à dimensão burocrática, confeccionando os textos solicita=
dos
pelos gestores, preterindo uma interpretação do que preconizaria as polític=
as
educacionais.
A gente simplesmente
pegou um papel e tentou colocar aquela ideia deles em um papel. Na verdade,=
na
nossa disciplina, Educação Física, a gente não fez nada daquilo, eu acho. Eu
acho que só foi uma coisa para nós colocarmos em um papel e aquilo ali ficar
registrado. Só para dizermos: ‘Ó fizemos o nosso cronograma, o nosso progra=
ma’. Não lembro como a gente montou isto. Mas
lembro que foi mais um documento que a gente fez, só que na prática a gente=
não
seguiu aquilo ali de forma nenhuma (Entrevista com o professor Suely=
em 10/04/2018 na sala da direção da E.E.E.M. Coliseu).
A partir da declaração de Suely podemos compreender que os professor=
es
agem com indiferença frente às políticas, pois muito do que elas endereçam =
aos
professores não é entendido ou traduzido. Nesse sentido, a professora Rober=
ta
relata com espanto as dificuldades que uma formulação curricular apresenta
quando é transmitida aos professores sem a sua participação e como este
processo pode respingar na sua prática pedagógica: “Imagina, eles querem
colocar ginástica na aula, como? Eu não sei. Colocar capoeira, que absurdo,=
não
tive formação para isto, não temos estrutura” (entrevista com a professora
Roberta em 13/04/2018 na sala dos professores da E.=
E.E.M.
Verona).
Podemos perceber que Roberta entende a complexibilidade de desenvolver uma =
aula
com os conteúdos da ginástica e da capoeira, pouco presentes em sua formação
inicial. Neste cenário, a mesma é compelida a realizar um curso de extensão=
ou
formação sobre o que lhe é pouco conhecido, como é o caso da capoeira.
É possível compreender que a conjuntura atual de precarização e
desvalorização da escola vai ao encontro de um desmantelamento da profissão=
em
conjunto com a corrosão do significado do trabalho para os professores. A
situação desestimula os professores a realizarem cursos de aperfeiçoamento,
cursos de extensão e pós-graduação em um cenário onde a formação permanente
também é precária. Assim, o ato de continuar em formação na Rede Estadual de
Ensino se torna uma tarefa árdua, quase impossível, pelo fato de mover o
professorado a recuar nos seus desejos.
[...] não se tem valorização, não se tem re=
nda.
Aí tu vais comprar um livro, tu vais se capacitar, tu vais fazer um curso, =
tu
vais comprar um livro, tu vais comprar uma revista, tu vais comprar um jorn=
al.
Tudo isto que tu vais comprar para se atualizar, para se capacitar, tudo va=
is
ter um custo. Aí as
primeiras coisas que a gente corta, quando a gente está com um problema sal=
arial,
são estas coisas que a gente entende que não são necessárias, não são
emergenciais como pagar água, luz, comida e passagem, tudo. [...] Por exemp=
lo,
eu acabei de fazer outra pós-graduação, eu tenho dois pós, dois pós não vão
alterar nada no meu salário, não altera nada. Eu estou concorrendo com o me=
smo
professor que dá aula aqui na escola comigo que está se formando. Entende?
Então não há valorização, não há estimulo algum (Entrevista com a professora
Mariazinha em 03/04/2018 na sala de Educação Física da E.E.E=
.M.
Verona).
Desta forma, podemos compreender que os professores agem com indifer=
ença
às políticas educacionais. Os fragmentos do diário de campo contribuem para
esse entendimento: “Olha só, eles querem colocar a educação integral, como? Veio este
documento aqui dizendo como devem ser as aulas, depois de mais de 20 anos
querem me ensinar.” (Nota de campo nº 71 - relato da professora Roberta em =
10/11//2017).
Nesse mesmo caminho, o trabalho de campo nos possibilitou presenciar um fato
que foi ao encontro do explanado pela professora Roberta: “o professor pega=
o
papel da proposta que dizia como deveria ser sua aula, lê e diz: isto não me
serve. O mesmo joga o papel para uma caixinha que fica ao centro da mesa dos
professores e diz que já tem a aula pronta e simplesmente sai da sala afirm=
ando
que havia mais coisas para se fazer”. (Nota de campo nº 200, sala dos
professores da E.E.E.M. Coliseu em 16/03/2018).
É possível pensarmos que as formulações apresentadas pelos gestores =
aos
professores fogem do que eles acreditam, do que eles aprenderam e pouco
dialogam com o que o professorado considera importante para a sua prática
pedagógica ou para o ensino, o que pode colaborar para que os professores s=
ejam
indiferentes às formulações.
Se tu tens o troço e eu vou te mostrar
exatamente como vai funcionar, explicar cada detalhe e tu entender. Isto é =
uma
coisa. Agora abordar dizendo: olha só, chegou isto daqui olha, uma nova
política. Chega o troço meio jogado e a gente não se interessa em ler també=
m.
Só se passa o olho por cima e diz: ah deixa eu ver. Aí tu olhas e diz: ah n=
ão
sei, para mim isto é palhaçada. Não me foi passado, eu também não mostrei
interesse. As duas coisas acho que se alinharam e já era (Entrevista com o
professor Suely em 10/04/2018 na sala da direção da
E.E.E.M. Coliseu).
Os professores demonstram, em alguns momentos, que as políticas
educacionais lhes sufocam, afetam os seus desejos, o seu ânimo e o caráter
singular da sua prática pedagógica. Este processo ocorre por conta da forma
como estas formulações lhes são demandadas. Assim, este coletivo expressa q=
ue as
formulações construídas pelos gestores acabam por não serem interpretadas e
traduzidas, e assim, consequentemente, acabam rejeitadas.
Na compreensão dos colabora=
dores
deste estudo, as políticas educacionais não traduzem nem em parte o que eles
anseiam, acreditam ou prospectam como prática pedagógica no componente
curricular Educação Física. Nesse sentido, Molina Neto (2003) nos auxilia a
compreender este posicionamento dos professores, pois “a atividade do dia-a-dia do professorado de
educação física, nas escolas públicas, não é uma atividade solitária e
asséptica. Está imersa em um mundo de relações e de interações que se
estabelecem entre as diferentes parcelas da comunidade escolar” (p. 146).
As intervenções políticas, neste cenário, podem movimentar o caráter=
da
profissão docente. Os professores compreendem que as políticas educacionais=
não
lhes implicam e elas movimentam o caráter peculiar da sua profissão, o que =
nos
leva a concordar com Molina Neto (2003), que faz o convite a pensar que os
professores de escolas públicas são profissionais diferentes dos demais. As=
sim,
é possível compreender que os professores, além de se colocarem indiferente=
s às
políticas educacionais, acabam resistindo a elas regularmente, por conta da
ausência da classe docente na sua proposição e formulação.
A RESISTÊNCIA: A AUSÊNCIA NA
FORMULAÇÃO
Ao compreendemos que a escola
pública, no que diz respeito ao contexto da Rede Estadual de Ensino do Rio
Grande do Sul, possui nuances de precarização, percebemos que a descontinui=
dade
e a formulação de políticas educacionais em um curto espaço de tempo pode se
desdobrar em uma desvalorização da profissão docente. Frente a isto, o
professorado pode reagir com indiferença às demandas dos gestores. Neste
estudo, o coletivo docente externa que em alguns momentos reagem com
resistência ao receber, interpretar e utilizar as políticas educacionais. E=
sses
fenômenos foram percebidos no trabalho de campo, quando, em diversos moment=
os, no
cotejamento de informações, os professores se manifestaram significando que=
as
políticas podem ser uma tentativa de os gestores instituírem o seu conhecim=
ento
pretensamente de forma hegemônica.
Às vezes acaba tendo até uma rejeição sim. =
Eu
vou dizer por mim. Esta coisa é imposta sem poder discutir, sem poder opina=
r,
isto só faz com que eu tenha que colocar uma ideia em pratica, uma ideia de=
um
governo, uma ideia de um partido em que está se criando uma nova forma de
trabalhar a educação simplesmente por que aquela linha de política vê daque=
la
forma, daquele jeito e eu tenho que fazer (Entrevista com o professor Suely=
em 10/04/2018 na sala da direção da E.E.E.M. Coliseu).
Deste modo, podemos compreende=
r que
há uma desconsideração dos professores na formulação das políticas educacio=
nais
que lhe são demandadas. Tomando as considerações de Ball e Bowe
(1992), Bowe, Ball e Gold (1992), Ball (1994) e=
Mainardes (2006), os professores têm sido implicados =
com as
propostas somente na fase da política em uso. Nesse sentido, a “proposta” c=
hega
em suas mãos na forma de uma demanda endereçada pelos gestores para ser
atendida e materializada na escola. Mesmo as políticas sendo manobradas em =
modo
de discurso e de textos, os professores realizam um processo que pode ser
compreendido como um processo antropofágico da política. As reflexões de Ba=
ll,
Maguire e Braun (2016) nos instigam a conjecturar que as políticas educacio=
nais
podem ser intervenções textuais que são passíveis de interpretação e
reinterpretação, considerando que, no “chão da escola”, o professor exerce =
uma
relativa autonomia para realizar a sua prática pedagógica e, desta forma,
executa a proposta do modo como a entende.
O fato de os professores serem
implicados somente na fase da política em uso nos ajuda a entender que isto
pode desencadear, neles, a compreensão de que a sua palavra não está presen=
te
nas formulações, potencializando o sentimento de não pertencimento e
reconhecimento da proposta, pois, na fase da proposta política, são colocad=
as
somente as intenções dos gestores, dos seus assessores, dos departamentos
educacionais e dos burocratas. Assim, pudemos aprender que os professores r=
eagem
predominantemente, ao se apropriarem das políticas, resistindo a elas.
Esta resistência ocorre independente dos preceitos que os textos ou
discursos carregam, pois os professores entendem que a sua prática pedagógi=
ca é
uma atividade orquestrada, pensada, planejada. Eles compreendem que a “sua
aula” é baseada, mormente, nas suas experiências, nas suas crenças, nas suas
idiossincrasias. Portanto, compreendem que a sua prática pedagógica é uma
atividade de cara para o seu trabalho.
Na minha aula não muda nada. Eu tenho um pa=
drão
de aula. Na questão avaliativa, como eu te disse, eu faço uma avaliação
subjetiva. Na minha aula não interfere em nada. Eu sempre trabalho também n=
esta
questão de formar o cidadão. Então, além da parte técnica, eu procuro formar
uma criança que se transformará em um cidadão. A questão de que as regras e=
stão
ali para serem cumpridas, de que eles têm que fazer o melhor para todos, que
não devem prejudicar ninguém. Então, a formação do cidadão creio ser o
principal (Entrevista com o professor Carol em 09/04/2018 no pátio da E.E.E.M. Coliseu<=
/span>).
Podemos interpretar que o prof=
essor
não se entende como uma mero executor de uma proposta política. Ao compreen=
dermos
que o professorado de Educação Física constitui sua atividade diferenciada =
dos
demais docentes, identificamos que eles lançam mão das suas bagagens histór=
icas,
e as manobram para arquitetar o seu trabalho. É recorrente, nas aulas de
Educação Física, acompanhar as narrativas desta relação. Nesse sentido,
percebemos que as políticas propostas pelos gestores esmaecem quando confro=
ntam
as marcas acumuladas pelos professores, pois eles percebem que a sua bagagem
histórica é reconhecida pelos estudantes e reiteram a resistência às políti=
cas
propostas pelos gestores.
Na sua aula de hoje=
, a
docente Roberta realizou o processo de aprendizagem do toque no voleibol. E=
la
mostrou os diferentes tipos de toques para que os alunos conseguissem reali=
zar
um levantamento ou uma recepção, parte dos alunos se mostrou surpreso com a
técnica da professora. Um até diz: ‘Bah profe q=
ue
toque hein, vai para a seleção’. A professora respondeu dizendo que foi da
Seleção da sua escola e era a escola mais forte na época e era muito difícil
jogar lá. A técnica de Roberta me passou a impressão de estimular os estuda=
ntes
na prática do voleibol (Nota de campo, nº 215 de 19/03/2018).
Assim, podemos compreender que este coletivo, ao arquitetar a sua
prática pedagógica, realiza uma reflexão e lança mão da sua história de vid=
a,
utilizando, assim, o que lhe foi significativo e foi acumulado como bagagem
para a organização do seu trabalho. Logo, o professorado recorre às suas
marcas, para que possam sustentar a sua resistência às políticas e diretriz=
es
educacionais que lhes são demandadas pelos gestores.
AS MARCAS: A ARQUITETURA DA PRÁTI=
CA
PEDAGÓGICA
Em diversos momentos ao longo da nossa história de vida houve
acontecimentos significativos que são lembrados nas nossas memórias. Estas
lembranças podem ser desencadeadoras de aprendizagens, ressignificações de
transformações e de reconstruções. Deste modo, estes acontecimentos podem s=
er
instrumentos para a construção da prática pedagógica. Neste trabalho, consi=
deramos
tais acontecimentos como marcas. As marcas são construídas de modo diferente
por cada indivíduo, e esta construção está permeada pela cultura e pelas
relações socioafetivas que os sujeitos estabelecem em diversos momentos da =
sua
trajetória de vida.
A partir das informações produzidas no campo, é possível tecer um
entendimento de que, ao arquitetar a sua prática pedagógica, este coletivo
docente se utiliza da sua criatividade para manejar com habilidade as suas
marcas em um processo que ocorre de modo crítico e reflexivo.
Ao pensarmos sobre o processo de arquitetura da
prática pedagógica dos professores é possível compreender que, lançando mão=
das
suas marcas, eles constroem uma prática pedagógica carregada das suas
perspectivas, compreensões e idiossincrasias. Portanto, podemos assumir que=
a
prática pedagógica dos professores de Educação Física é carregada de
princípios, emoções e crenças.
Na escola, o professor tem a sua prática pedagógica
atravessada por diversas tensões e disputas envolta dos projetos da comunid=
ade,
da escola, dos estudantes, além de atravessada pela redução de tempo[2] para as aulas de Educa=
ção
Física. Neste contexto, as diretrizes e políticas educacionais se tornam ma=
is
um elemento que tenta influir na prática pedagógica, prospectando modificá-=
la. As
políticas educacionais se tornam um elemento potente que busca modificar a
prática pedagógica do professorado de Educação Física, uma vez que a sua fo=
rça
é aumentada pela posição privilegiada que os gestores ocupam, por conta da
legitimidade que lhes é atribuída pela sociedade.
No estudo com este coletivo, pudemos identificar q=
ue
existe uma considerável resistência às políticas propostas pelos gestores. =
Os
participantes desta pesquisa não cogitam abrir mão das suas percepções, cre=
nças
e desejos, em detrimento das políticas educacionais.
São reuniões meramente políticas mudando um=
ou
outro aspecto, mas no final, na minha aula, não influenciou em nada. Teve
formação na escola. Mas para mim, eu te coloco aqui ó. Não vi modificação, =
só
muda a nomenclatura, muda um ou outro aspecto que não influencia em nada na
questão do ensino aprendizagem. A gente não enxerga, a política meramente v=
em
para dizer assim: “Ah está errado dar nota, vamos mudar para conceito”, e n=
ão
tem nenhuma mudança no ensino-aprendizagem, então não influencia em nada
(Entrevista com o professor Carol em 09/04/2018 no pátio da E.E.E.M. Coliseu)=
.
Neste contexto, os colaboradores deste estudo mani=
festaram
que as políticas educacionais não traduzem o ambiente escolar e que elas são
construídas por alguém que possui a sua legitimidade contestada e que, de c=
erto
modo, as políticas tentam reconstruir a sua prática pedagógica.
Foi o que a gente fez. Foram duas reuniões =
lá.
Foi no Instituto de Educação, a supervisão da escola disse: “Olha, agora vo=
cês
leem os livros e planejem. O planejamento de vocês tem que estar voltado e =
de
acordo com o que está nas lições do rio grande”. Muitas coisas do que eu li=
ali
já era o que a gente fazia. Já fazia parte da nossa prática, minha e das mi=
nhas
colegas da educação física. Mas falando de mim, já fazia parte da minha
prática. Outras coisas que eu li ali não serviram para mim, aí eu não fiz (=
Entrevista
com a professora Roberta em
13/04/2018 na sala dos professores da E.E.E.M. Verona).
Através do rel=
ato
da professora em conjunto com a análise documental realizada, conseguimos
perceber que o documento da política trata de várias práticas a serem desen=
volvidas
na escola, pelos professores de Educação Física, no entanto, para que esta
proposta se concretizasse, a professora Roberta deveria modificar a sua prá=
tica
pedagógica e assim alterar a sua predileção dos conteúdos a ministrar.
Nas seções ant=
eriores,
identificamos e tratamos da indiferença e da rejeição empregada pelos
professores diante das políticas educacionais. Entendemos que alguns elemen=
tos
são significativos para que estes empreguem tal movimento que se explicita =
como
uma resistência. É possível considerar que as marcas corporificadas nas
histórias de vida dos professores são parte construtiva desta forma de reag=
ir
às políticas. Estas marcas podem ser compreendidas como situações e
experiências vividas pelos sujeitos que lhes afetaram. Assim, elegemos para
discussão, neste manuscrito, as marcas produzidas pela docência e as marcas
sociocorporais (FIGUEIREDO, 2004) vividas anteriormente à docência.
As marcas
produzidas pela docência podem ser entendidas como as vivências que estes
professores tiveram ao longo da carreira e que hoje conduzem suas crenças e
representações sobre a prática pedagógica. Diante disso, podemos considerar=
que
a forma como os professores concebem a gestão do estado do Rio Grande do Su=
l,
bem como a forma como compreendem as políticas educacionais apresentadas têm
relação com as experiências que estes sujeitos já vivenciaram neste context=
o. O
fato de os professores serem colocados constantemente diante de uma mudança
educacional/curricular sempre que há troca de governo na gestão do estado
causa, possivelmente, um efeito que leva os professores a serem descrentes =
para
com as políticas educacionais. O descaso com suas condições de trabalho, que
estes professores destacam vivenciar na rede estadual de ensino, é outro fa=
tor
que pode ter produzido uma marca que lhes conduza à essa rejeição e indifer=
ença
frente ao que lhes é demandado.
Por outro lado=
, as
marcas sociocorporais têm uma relação com as experiências vividas por estes
sujeitos durante a infância, adolescência e até durante a formação inicial. Est=
as
experiências produziram ou permitiram um maior vínculo e afeto destes sujei=
tos
com determinadas práticas, com determinadas perspectivas. Assim, é possível=
que
os professores resistam às políticas educacionais porque elas, de alguma fo=
rma,
podem lhes desacomodar. Um exemplo é o caso da professora Roberta, que se v=
ê distanciada
da condição de trabalhar com a capoeira por entender que não construiu
experiências e formação que lhe permitam trabalhar com este saber. Suas exp=
eriências,
conforme ela sinaliza:
[...] tipo a Capoeira, eu não tenho, não fiz
nem um curso, não tenho nenhum aprendizado voltado à capoeira por exemplo.
Capoeira e Lutas faziam parte das atividades que dizia lá. A gente até
comentou. Conversamos com a supervisora, não me lembro o que ela falou, se a
gente tinha que colocar igual e não fazer ou se a gente não precisava inclu=
ir
tudo, acho que foi esta a resposta dela. E foi isto. O que que eu achei, eu
achei uma coisa muito pronta que não houve nenhum debate (Entrevista a
professora Roberta em
13/04/2018 na sala dos professores da E.E.E.M. Verona).
Todas estas apreensões expressas por Roberta ocorr=
em
por conta de uma possível necessidade de formação permanente e realização d=
e um
aprimoramento profissional, aos quais ela não possui condições por conta da
conjuntura que os professores perpassam. Porém, a resistência da professora
também ocorre por conta das marcas que ela carrega das práticas escolares q=
ue
são a sua inspiração no exercício da profissão docente.
Neste sentido, Tardif (2014) aponta para a
interiorização do conhecimento, que entendemos fazer parte da história de v=
ida do
professorado. As práticas dos esportes coletivos contribuíram para que ela
construísse marcas valiosas na sua história de vida. O fato de a capoeira n=
ão
ter feito parte das suas experiências sociocorporais e tão pouco ter feito
parte do seu percurso inicial na formação em Educação Física lhe causa
estranheza, receio e insegurança para que ela aborde este conteúdo na sua
prática pedagógica. Paradoxalmente, a professora não apresenta resistência =
no
que diz respeito ao conteúdo voleibol, esporte amplamente presente, trabalh=
ado
e massificado na formação inicial em Educação Física a ponto de constituir a
expressão jocosa “quarteto fantástico”, que diria respeito aos esportes
Voleibol, Basquetebol, Futebol e Handebol. Essa tendência esportivista/tecnicista
era a perspectiva hegemônica de Educação Física quando a professora era
estudante na educação básica durante as décadas de 1970 e 1980.
Na escola eu adorava a educação física, era
apaixonada. Esperava toda radiante o momento, sempre adorei o voleibol desde
pequeninha assim. Eu me lembro que eu estava na 6ª ou 7ª série, a professor=
a já
veio: “Ah como tu tem o toque bom”, lembro que ela vinha comentar, eu lembro
deste momento. E quando eu cheguei na 8ª série teve um professor que foi fa=
zer
um estágio na escola que eu estava e me viu jogando e aí ele me chamou e disse: “Tu joga bem voleib=
ol,
tem os fundamentos bem desenvolvidos, tem um bom toque, uma boa manchete, um
bom saque (Entrevista com a professora Roberta em 13/04/2018 na sala dos professores da
E.E.E.M. Verona).
Esta experiência de Roberta vai ao encontro do que
Figueiredo (2004) entende como uma “experiência social reveladora de uma
identificação da Educação Física com o Esporte, imposta por uma cultura e
relações sociais preexistentes” (p. 96). Estas experiências da professora c=
om a
modalidade esportiva foram significativas e serviram como um dos alicerces =
para
a construção da sua prática pedagógica no Ensino Médio, na Rede Estadual de
Ensino, pois este era o seu maior desejo, desenvolver na escola o esporte q=
ue
tanto a inspirou. Isto contribuiu para que a professora manifestasse um
distanciamento com relação à proposta Lições do Rio Grande.
Cheguei hoje ao últ=
imo
dia de observação e da mesma forma que as anteriores com a primeira turma do
início da manhã a docente Roberta inicia o alongamento e no aquecimento pro=
põe
uma atividade relacionada ao voleibol, o conteúdo voleibol foi abordado por=
ela
no fechamento de 2017 e foi abordado no primeiro e no início do segundo
trimestre de 2018. Porém, os alunos parecem não se opor à proposta, pois ir=
ão
jogar e ela se propõe a fazer pequenas correções durante a prática pedagógi=
ca
(Nota de Campo nº 563 de 18/06/2018).
No processo de arquitetura da
prática pedagógica, é legitimo que os professores lancem mão dos fatos que =
mais
lhe marcaram ao longo da sua vida, este movimento não é uma exclusividade de
Roberta, o mesmo ocorre com os outros participantes deste estudo. Assim,
compreendemos que este coletivo lança mão das suas marcas, do que lhe foi
significativo e do saber acumulado através dos professores que os auxiliam a
arquitetar a sua prática pedagógica. Se de um lado a professora manifesta
sinais de uma possível cristalização da sua prática pedagógica ancorada nas
suas marcas e na sua experiencia docente, de outro o preço disto é não dar
conta de uma multiplicidade de saberes que são, também, um compromisso da
escolarização, que por vezes estão expressos nas propostas de políticas
educacionais. Os professores admitem recorrer as suas marcas na construção =
da
sua prática pedagógica, o que pode nos sinalizar como uma possível tendênci=
a de
manutenção e hegemonização dos conteúdos massificados da Educação Física
Escolar, como descreve Carol, através da sua interação social com o futebol=
e o
basquetebol:
Era uma vida mais tranquila, não tinha esta
violência que se tem hoje. Depois, eu ainda joguei futebol em escolinha e
basquetebol, cheguei a jogar no grêmio, nas categorias de base. Depois me m=
udei
para São Paulo e joguei basquete. Futebol eu joguei quando eu tinha 11 e 12
anos no grêmio e basquetebol quando eu tinha 15 anos. Eu saí do basquetebol quando eu vim de São Paulo e
aqui eu não conhecia locais que teria basquete, então eu parei. [...] Trago=
por
que eu aprendi bastante, a parte de fundamentos de basquete, de futsal e de
futebol de campo, daí, quando eu ministro aulas deste sentido, eu faço bast=
ante
trabalho de fundamentos (Entrevista com o professor Carol em 09/04/2018 no pátio da E.E.E.M. Coliseu<=
/span>).
As marcas de Carol, que servem=
de
elemento para a construção da sua prática pedagógica, reiteram a resistênci=
a do
professor a modificá-la em detrimento de uma política educacional, como ele
relata: “Eu tenho a minha aula montada e estruturada, viu só! Então, estas
políticas não vão mudar isto, eles não vão mudar minha maneira de agir aqui
neste espaço” (Nota
de campo nº 257 de 09/04/2018). Se, de um lado, os professores com a heranç=
a da
formação inicial, que priorizava um ensino do “quarteto fantástico”, calcado
nas suas marcas, continua se manifestando, de outro, é possível identificar
alguns sinais de outras prática decorrentes do Movimento Renovador da Educa=
ção
Física brasileira[3].
Nesta seara, pode ser identificada uma prática de outros saberes no cenário
escolar. Em que pese o caráter
impositivo das políticas prospectadas pelos gestores, a reflexão, por vezes,
expressa do ensino calcado na cultura corporal de movimento ressoa nos
professores. Podemos elencar aqui, como alguns exemplos, as atividades
circenses e os esportes de aventura, sendo estas atividades percebidas na
prática pedagógica dos professores durante o trabalho de campo, mesmo que e=
ste
coletivo não admita assumir integralmente, na sua prática, os elementos
fundantes das políticas educacionais.
No estudo com este coletivo, podemos pensar que el=
es
constroem a sua prática pedagógica com certa resistência às políticas
formuladas pelos gestores, mas eles admitem remodelá-la quando as proposiçõ=
es
emergem de outros indivíduos que partilham das suas angústias, aflições e
emoções onde eles se reconhecem, como outros professores e estudantes. Neste
sentido, podemos pensar sobre como ocorreu a mudança na prática pedagógica
destes professores.
Então, muita coisa a gente trabalha na troc=
a de
saberes, na troca em cursos, na troca com os colegas, e hoje em dia tem mui=
ta
coisa que eu acho muito legal, que é a troca de saberes com os alunos, né [=
...]
aprendi a jogar xadrez com os alunos, tu entendeste. Então tem algumas cois=
as
que a gente aprende com os alunos, hoje eu já consigo dar uma aula de xadrez
para eles e assim a gente vai fazendo a nossa aula. (Entrevista com a
professora Mariazinha em 03/04/2018 na sala de Educação Físi=
ca
da E.E.E.M. Verona).
Mariazinha admite modificar a sua prática pedagógi=
ca
ou reconstruí-la para que sejam contempladas as aprendizagens desenvolvidas=
com
o seus alunos. Deste modo, podemos compreender que uma política, mesmo sendo
demandada por alguém que possui um discurso potente e goza de uma posição
privilegiada, perde força no cenário escolar pelo fato de os professores
contemplarem os conhecimentos daqueles que estão implicados no seu dia a di=
a,
partilham das suas emoções, aflições e angústias, ou seja, aqueles em que e=
les
se reconhecem. Desta forma, a proposta do estudante de Mariazinha foi mais
potente que uma política educacional e passou a integrar a sua prática
pedagógica.
[...] neste mesmo
ambiente, Mariazinha exige que os alunos interajam e realizem atividades, há
jogo de cartas, pebolim, damas e xadrez. Um dos alunos a chama para pergunt=
ar o
que o cavalo faz, ela se aproxima e explica aos estudantes todos os movimen=
tos
de todas as peças e explica o objetivo do jogo (Nota de campo nº 130 de 16/=
01/2018).
Parte das atividades desenvolvidas por Mariazinha =
na
sua prática pedagógica são provenientes da troca de saberes que ela teve co=
m os
seus estudantes. Logo, estas aprendizagens instigaram a professora a modifi=
car
sua prática pedagógica para que sejam contemplados os novos saberes
desenvolvidos por ela, ou seja, uma prática que a marcou. Semelhantemente, a
professora Roberta desvela o aprendizado desenvolvido com os estudantes dur=
ante
sua prática pedagógica no Ensino Médio.
Aí eles disseram: “Professora a gente adora,
vamos fazer a brincadeira do tubarão” eu disse: Como é? Eu não conheço. Eles
trouxeram. Eu achei muito legal e disse vamos. Então eles me ensinaram a
brincadeira do tubarão. Nós ficamos um período inteiro fazendo a brincadeir=
a do
tubarão e eles não se cansam de fazer a brincadeira do tubarão. Fizeram em =
mais
de uma aula. A turma de 3º ano. Aí eu propus para as outras turmas. Algumas
turmas gostaram, outras não. Mas assim, principalmente as turmas de terceiro
ano me chamaram a atenção. A maioria quis, brincou e gostou. Então volta e =
meia
nós fizemos de aquecimento, ao invés de eu fazer o padrão que é a corridinh=
a e
o alongamento, proponho fazer o Tubarão, que é uma brincadeira de correr e =
de
toque, de um tocar no outro (Entrevista com professor Roberta em 13/04/2018 na sala dos professores da
E.E.E.M. Verona).
Lembramos que anteriormente Roberta não admitiu
modificar a sua prática pedagógica – inserir o conteúdo de capoeira e ginás=
tica
– por conta da definição da política educacional, pelo fato de não se
reconhecer neste conteúdo e não ter realizado uma formação para trabalhar c=
om esta
prática. A partir disso, entendemos que há uma força histórica e conservado=
ra
que por vezes calca e traz sinais de uma possível cristalização da prática
pedagógica do professorado. Ao mesmo tempo, existem sinais de respingos de =
outras
práticas e das políticas nas aulas, bem como a interação dos professores co=
m os
estudantes, que podem dissolver essa possível cristalização histórica. A
proposta, visualizada no campo de pesquisa, emergiu dos estudantes e ressoo=
u na
prática pedagógica dos professores. Tal situação sinaliza um espaço de diál=
ogo e
negociação sobre os sentidos da prática pedagógica. Nessa perspectiva, as
reflexões de Sanchotene e Molina Neto (2013) nos
ajudam a compreender que os professores desenvolvem uma maneira própria de
atuar, porém não se trata de uma forma estanque.
[...] podemos dizer que o “habitus”, ou de modo mais específico, as predisposiçõ=
es
para a ação, interferem no planejamento e execução das aulas e nos padrões =
de
avaliação e de comportamento, estando presentes no planejamento das aulas e=
no
relacionamento do professor com os alunos (SANCHOTENE; MOLINA NETO, 2013, p.
448).
Nesse sentido, através do trabalho de campo, foi
possível perceber que, na interação com os estudantes, os professores admit=
em recompor
a sua prática pedagógica. Essa situação, em que pese a predisposição dos
professores a recorrer à tradição histórica calcada nos esportes, ou seja, =
no “quarteto
fantástico”, suscita-nos a pensar que a prática do professorado é flexível e
não estanque com espaços para a construção e reconstrução.
Podemos, assim, refletir que a recusa da professora
Roberta à Capoeira não se trata apenas de uma resistência à política
educacional e ao conteúdo proposto, mas também porque a Capoeira não era
desejada por Roberta e não fazia parte das suas marcas da interiorização de=
um
conhecimento pré-existente (TARDIF, 2014).
Nas premissas de Sacristán
(1999) “...a prática educativa é o produto final a partir do qual os
profissionais adquirem o conhecimento prático que eles poderão aperfeiçoar”=
(p.
73). Entendemos que este coletivo retoca a sua prática pedagógica através da
colaboração de outros professores ou estudantes, através da troca de sabere=
s.
Podemos pensar que a prática pedagógica é tensiona=
da à
mudança pelas políticas educacionais, no entanto, as percepções e reações q=
ue
este coletivo manifesta para as formulações realizadas pelos gestores têm s=
ido,
predominantemente, a indiferença e a resistência que muitas vezes são pauta=
das
pelas marcas das suas histórias de vida.
Deste modo, podemos compreender que os professores,
colaboradores deste estudo, que são atuantes no Ensino Médio da Rede Estadu=
al
de Ensino do estado do Rio Grande do Sul, lançam mão das suas idiossincrasi=
as,
percepções e crenças para construir a sua prática pedagógica. As constantes
investidas dos gestores, utilizando a posição privilegiada que ocupam, os
discursos que tecem no sentido de influir no fazer docente, perdem força qu=
ando
se deparam com as marcas dos professores.
Assim, este coletivo demonstrou que consolida uma
resistência às políticas educacionais em nome das suas marcas que são
carregadas de saberes, compreensões e desejos biograficamente situados. Est=
es
professores ainda demonstraram que, frente a uma troca de saberes com outro=
s indivíduos
com que estão implicados diretamente no “chão da escola”, como outros
professores ou estudantes, que são indivíduos que eles reconhecem, dispõem
modificar ou reconstruir a sua prática pedagógica.
REFLEXÕES TRANSITÓRIAS
Neste
estudo buscamos compreender como professores de Educação Física percebem e
reagem às políticas educacionais que lhes são demandadas pelos gestores
estaduais do Rio Grande do Sul, nos últimos dez anos. Isto ocorre em uma
conjuntura na qual há um movimento de desconstituição e desconstrução do se=
tor
público, supressão dos direitos trabalhistas em conjunto com a precarização=
das
condições estruturais e materiais da escola, além da desvalorização que imp=
acta
os professores no âmbito profissional e pessoal. Neste tocante, Molina Neto=
et al. (2017) nos convidam a refle=
tir
sobre o cenário apresentado e as políticas educacionais, em um contexto ond=
e os
professores e pesquisadores possuem o desafio de pensar e analisar as polít=
icas
para além de uma agenda educacional. Tal situação se faz necessária por con=
ta
do viés neoliberal e a lógica de mercado que atravessam as políticas na
atualidade. Nesse sentido, podemos pensar que uma homogeneização do
conhecimento proposto pelas políticas e o embate com o professorado pode nu=
blar
as intenções dos gestores.
Esse
pensamento nos instiga a analisar os relatos dos professores e as possíveis
intenções dos gestores com relação à educação. Nesta pretensão, entendemos =
que a
educação pode ser compreendida como um cenário de constantes disputas, onde=
os
grupos constituintes da nossa sociedade tentam se articular para que atravé=
s da
educação possam influenciar a sociedade. Nesse sentido, pensamos que esta
articulação pode formular um problema público que pode gerar uma política
educacional. No que diz respeito a isto, Apple (2000) aponta que os ataques
neoliberais à educação e as possíveis intenções dos gestores quando formulam
reformas, políticas e diretrizes educacionais trazem como pano de fundo a
intenção de conectar a educação às necessidades da economia, em um movimento
que coloca em xeque o pensamento e a prática do professorado.
Frente
a esta situação, podemos perceber que, em que pese o Movimento Renovador da
Educação Física e os elementos constituintes da cultura corporal de movimen=
to,
por vezes os saberes do professorado são sustentados pelas suas marcas. Ess=
es
conhecimentos são formulados durante a sua infância e adolescência, na
escolarização, nas aulas de Educação Física, na educação básica e na sua
formação acadêmica. Sublinhamos que esta experiência, por vezes, é ancorada=
na historicidade
esportivista da Educação Física ou através da
expressão jocosa do “quarteto fantástico”, que nada mais é do que a prática
massificada de determinados esportes.
Ao
voltarmos nossas lentes ao momento pelo qual os professores perpassam, este
estudo nos possibilitou pensar que os professores manifestam uma indiferenç=
a às
políticas educacionais, que pode ser entendida pelo modo como o texto polít=
ico,
neste caso baseado no estilo Readerly (BARTHES, 2019), ou como o discurso das polític=
as
não implicam e/ou não motivam os professores a acreditar e se sentirem
pertencentes a ela.
Ao
partilharem do sentimento de desconsideração dos seus conhecimentos, os
professores posicionam-se em resistir às políticas educacionais. A
materialização desta resistência ocorre pelo fato deste coletivo não ser
implicado na faceta da política proposta e sim somente serem partícipes del=
a na
demanda da sua materialização, ou seja, na fase da política em uso (BOWE; B=
ALL;
GOLD, 1992), (BALL, 1994) e (MAINARDES, 2006).
Ainda, refletimos que as marcas construídas ao lon=
go
da história de vida deste coletivo, através do que lhes foi significativo -
mesmo que por vezes sejam os esportes massificados e não uma visão ampla da
cultura corporal de movimento - os auxiliaram na arquitetura da sua prática
pedagógica. Estas marcas são o elemento que reitera a resistência dos
professores a modificar a sua prática pedagógica como os gestores almejam. =
Este
fato ocorre, também, por conta dos conhecimentos interiorizados (TARDIF, 20=
14)
da história de vida deste coletivo criando uma resistência tão forte quanto=
as
formulações dos gestores. Porém, os professores admitem modificar a sua prá=
tica
pedagógica desde que esta mudança esteja relacionada à experiência de outros
sujeitos que estão no cotidiano escolar como professores e estudantes. Assi=
m, aprendemos
com o trabalho de campo que este coletivo constrói as suas práticas pedagóg=
icas
voltadas, majoritariamente, aos estudantes e não ao que os gestores prospec=
tam.
As narrativas deste coletivo n=
os
permitem refletir que as políticas pouco influenciaram e pouquíssimo modifi=
caram
a sua prática pedagógica. É possível pensarmos à luz dos estudos de Bowe, Ball e Gold (1992), Ball (1994), Mainardes
(2006) e Ball, Maguire e Braun (2016), que os professores realizam um proce=
sso
antropofágico das políticas educacionais, uma vez que eles são indiferentes=
e
resistem a elas, em um processo em que se entendem como meros executores das
políticas que lhes demandam e não contam com as suas marcas. Porém, nesse
processo, visualizamos alguns respingos das políticas como algumas práticas=
que
vão ao encontro dos elementos constituintes da cultura corporal de moviment=
o. Desta
forma, interpretamos que o elemento que poderia ter possibilitado maior
permeabilidade às políticas educacionais na prática dos professores é que e=
les
se sentissem mais implicados com as propostas e que elas carregassem parte =
do
que eles prospectam para o componente curricular Educação Física. Assim, a
implicação do professorado nas outras fases do ciclo de políticas, como na
política proposta e na política de fato (BALL; BOWE; GOLD, 1992), além de um
processo de formação permanente, possibilitariam uma melhor acolhida das
políticas prospectadas pelos gestores.
Compreendemos que os professores escutados neste
estudo se posicionam com forte resistência às políticas educacionais
interferirem na sua prática pedagógica, sendo esta arquitetada, sobretudo, =
através
das marcas que os professores foram construindo ao longo das suas histórias=
de
vida. Nesse sentido, os argumentos trazidos à baila neste estudo nos permit=
em
entender que os professores não modificam ou adaptam linearmente a sua prát=
ica
pedagógica por conta dos endereçamentos das políticas educacionais. Neste
estudo, podemos pensar que este coletivo revela que a sua prática pedagógic=
a na
Educação Física possui pouca permeabilidade em relação às políticas
educacionais formuladas pelos gestores estaduais do Rio Grande do Sul, no
período de 2007 a 2017.
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[1] O nome Mariazinha trata-se d=
e um
nome fictício escolhido pela colaboradora deste estudo. Este cuidado foi to=
mado
com a finalidade de atender os preceitos éticos da pesquisa com seres human=
os,
conforme Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde.
[2] Ao longo do período em que
perpassaram as políticas tematizadas no presente estudo, a Educação Física =
teve
uma redução ao que se refere ao Ensino Médio de três períodos semanais para
dois períodos semanais (Política Lições do Rio Grande). Posteriormente, o t=
empo
de cada período que era de 50 minutos passou para 40 minutos (Ensino Médio
Politécnico).
[3] De acordo com Machado e Brac=
ht
(2016) O movimento Renovador foi “...um forte e inédito esforço de reordena=
ção
dos pressupostos orientadores da Educação Física, como, por exemplo, “coloc=
ar
em xeque”, de maneira mais intensa e sistemática, os paradigmas da aptidão
física e esportiva que sustentavam a prática pedagógica nos pátios das esco=
las
(p. 850)”.
11